[Sobre Escrita #3] – Começando: Foco

O post de hoje vai ser mais rápido. São só alguns pontos simples, mas que precisam ser mencionados porque são coisas que fazemos o tempo todo, sem perceber.

Antes de começar, repetindo aqui, por fia das dúvidas: o material postado vem da minha experiência quebrando cabeça para melhorar meu trabalho. É uma coleção de tentativas e erros, métodos que funcionam para mim ou que eu adaptei para funcionarem. Não estou querendo colocar regras na escrita de ninguém, até porque considero que só existe uma regra na escrita: se funciona, faça.


Começando: Foco e Referências

Quando eu comecei a escrever, nunca parei para pensar se tinha um foco e se estava me mantendo nele. Lembram das travas que mencionei no primeiro post? Pois é, eu não saía das primeiras páginas porque não tinha foco - e consequentemente não sabia como continuar a história. É algo tão simples que acho que é por isso que é tão ignorado. Foco. Quem precisa de foco na hora de escrever, não é? É só sentar e colocar tudo no papel. Certo. Só que não.

E, junto com a questão do foco, estão as referências. Cada um de nós tem uma coleção de referências na maioria das vezes inconscientes, feitas daquilo que lemos/assistimos, que obviamente são refletidas no que escrevemos. Mas vamos por partes.


Foco

Eu sei que não sou a única que tem aquele momento lendo um livro/assistindo um filme/seriado/whatever em que para e pensa "nossa, eu quero fazer algo assim". "Nossa, essa ideia foi muito legal". "Nossa, quero fazer meus leitores se sentirem assim". "Nossa, amei tanto esse personagem, um dia quero escrever algo assim". E por aí a lista vai. Quem nunca, não é? E, olhando assim, não é algo que seria um problema.

A questão é que, quase sempre quando estamos começando a escrever, vem aquela tentação de fazer tudo de uma vez. Se você juntar todas as coisas excelentes que viu por aí e juntar na mesma história, obviamente não tem como ficar ruim, não é? Quer dizer, é um monte de coisas legais, como é que pode não render um resultado legal? Se bem que na maioria das vezes isso nem passa pela cabeça - só é natural sair jogando todas as ideias ali no papel de uma vez. Mas não é bem assim que as coisas funcionam.

É muito fácil colocar informações demais numa história e com isso a deixar arrastada ou confusa. Ou os dois. Sem mencionar que, dependendo do que está querendo fazer, você provavelmente não vai trabalhar nenhuma dessas ideias bem. O resultado é uma história superficial, com personagens que ou vão parecer irreais ou vão ser vazios e uma trama que está indo para todos os lados ao mesmo tempo e acaba não chegando em lugar nenhum.

Um dos motivos para eu ter gostado tanto do método Snowflake é esse - ele me obriga a definir o que realmente é importante para a história antes de começar a escrever. Ou seja, tenho que ir engavetando todas aquelas cenas e ideias lindas que estão na minha cabeça (na minha cabeça tudo é lindo :v ), porque elas não vão caber dentro daquela história específica. Foco. Ele faz diferença.

Não tenho muito o que dizer sobre isso, mas é um tópico que eu precisava falar porque vejo gente escrevendo como se estivesse fazendo a feira com o cartão sem limites o tempo todo. Então, fica a dica para prestar atenção no que realmente é importante na sua história. Tem outra ideia legal? Faz questão de escrever um arco de personagem parecido com o daquele personagem que você ama? Ok, deixa para outra história. Ninguém colocou um limite no número de histórias que você pode escrever, não é?


Referências

Algum tempo atrás eu tive o prazer de pegar um livro que estava ansiosa esperando para ler e reconhecer vários elementos familiares nele. Era uma sensação de que eu já conhecia aqueles personagens, mesmo que eles fossem novos. Não demorou muito para eu entender porque isso estava acontecendo: esse livro tinha coisas demais "inspiradas" em uma das minhas séries favoritas. Num primeiro momento, eu fui uma fangirl louca, porque não é atoa que amo esses personagens. Mas depois... Bom, uma coisa é eu notar algumas referências a alguma série ou personagem que eu conheça. Outra coisa é ver os personagens praticamente tirados de um livro e colocados em outra história (não, eu não estava lendo fanfic).

Esse é um dos perigos das referências. No caso dessa história em específico, eu não acho que foi um acidente - tinha semelhanças demais, incluindo algumas frases bem marcantes da série original. Mas, muitas vezes, a gente vê/lê a mesma coisa tantas vezes que acaba copiando sem nem ver que está fazendo isso. Um exemplo fácil? Livros de alta fantasia. Se o pessoal só lê Tolkien e Martin, obviamente seus livros vão refletir isso. Não é à toa que temos tantas coisas no mesmo molde por aí. Posso falar a mesma coisa da turma Crepúsculo/Fallen/Hush Hush. E as distopias juvenis. E por aí vai. Se você só lê os livros com os mesmos tropos, os mesmos tipos de personagens, o mais provável é escrever alguma coisa parecida com eles, às vezes mesmo que não seja sua intenção.

É por isso que falo tanto da questão de planejar e pensar nos personagens e situações da sua história antes de começar a escrever. Quando você deixa a história "se contar sozinha" e prefere "conhecer os personagens à medida que eles decidem se apresentar", o que vai acontecer é que seu subconsciente vai preencher os espaços em brancos com aquilo que você sempre vê/lê. Ou seja, ao invés de ter uma personagem "com personalidade própria que se apresentou ao longo da história", você tem uma massa misturando tudo o que é mais comum nas suas referências.

"Ah, mas se eu estou misturando tudo o que eu leio e gosto, é óbvio que vai sair alguma coisa que vou gostar." Tem certeza? Porque se você não pensa em nenhum dos personagens, todos vão ser uma massa sem identidade própria - aquela coisa sem sal e sem definições. Esse é o problema. Quer fazer uma homenagem a um personagem ou livro que gosta? Bora. Vivo fazendo isso, aliás. Agora, usar algo como referência ou inspiração é diferente de copiar personagens e jogar em outra história - e também é bem diferente de fazer personagens e enredo no melhor estilo massa/colcha de retalhos.

Outro perigo das referências inconscientes é que elas podem nos fazer reproduzir coisas que não achamos tão legais assim, simplesmente porque são o mais comum. A protagonista sonsa, por exemplo. Conheço várias pessoas que começaram a escrever protagonistas assim, sem nem pensar que poderiam levar a construção para outro lado, porque era o que sempre liam. Os pares românticos problemáticos, que muitas vezes não são vistos como problemáticos porque estão por aí o tempo todo. Os pontos do enredo que às vezes nem mesmo o autor gosta, mas vão parar lá porque estão por toda parte. Não faça isso. Na verdade, esse é mais um caso de se policiar a respeito disso, porque é algo que sempre acabamos fazendo.

Se é para usar uma referência, que seja por escolha, de forma consciente, e não sem saber de onde aquilo está vindo ou fazendo uma colcha de retalhos.



E é isso. Só queria mencionar esses dois pontos mesmo, porque sempre que pego alguma leitura crítica dou de cara com pelo menos um desses problemas. Não falha. E eu também já fiz isso vezes demais até começar a prestar atenção nisso.

O próximo post já vai ser sobre a escrita em si (espero) e deve sair um pouquinho mais depressa (espero²).

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