[Sobre Escrita #2] – Começando: Planejamento

E, obviamente, eu me enrolei aqui e demorei bem mais do que queria para fazer esse segundo post. Pelo menos ele ainda está saindo em abril...

Meu plano era fazer um mega post explicando tudo sobre os métodos de planejamento que consegui usar e funcionaram para mim, mas não precisei nem começar a escrever para ver que isso não ia dar certo. Ia ficar gigantesco demais. Então vou falar rapidinho sobre os métodos (são só dois mesmo) e depois volto explicando em detalhes, se precisar.

Antes de começar, repetindo aqui, por fia das dúvidas: o material postado vem da minha experiência quebrando cabeça para melhorar meu trabalho. É uma coleção de tentativas e erros, métodos que funcionam para mim ou que eu adaptei para funcionarem. Não estou querendo colocar regras na escrita de ninguém, até porque considero que só existe uma regra na escrita: se funciona, faça.


Começando: Planejamento

Quando comecei a (tentar) planejar minhas histórias, o que eu fazia era escrever um resumão do que ia acontecer, no fim do arquivo onde estava escrevendo a história mesmo. Era só um "fulana vai para tal lugar. isso acontece. decidem fazer isso. voltam. acontece tal coisa" dos próximos 10 capítulos, mais ou menos, que eu ia aumentando à medida que tinha ideia do que precisava acontecer depois. Não era um bom resumo nem nada do tipo. Era uma bagunça, na verdade, coisas que só eu entendia. E tenho que admitir que continuei fazendo isso até lá pelo meio do ano passado. Era o que funcionava, então continuava fazendo. Mas não era o suficiente, porque eu continuava travando o tempo todo e, para mim, a questão de planejar é justamente para evitar travar no meio da história.

Foi então que eu parei e "ok, vamos começar a organizar isso direito" e fui atrás de achar uma forma de planejar o livro todo que funcionasse para mim.


Outline

O outline foi a primeira coisa que eu consegui fazer funcionar. Ao contrário do que eu vejo muita gente pensar, outline não é sinônimo de roteiro. Outline é um cotorno que vai ser preenchido depois - como as linhas de algo que você vai colorir depois. Ele não precisa ser detalhado nem nada do tipo e serve como uma guia para escrever, além de te forçar a pensar nos pontos importantes da história antes de começar a escrever.

Uma das melhores explicações sobre isso, para mim, é da Ilona Andrews (quem me conhece sabe que vivo indicando os artigos e livros dela), que explicou esse processo de uma forma bem "gente feito a gente". Vou dar uma resumida aqui e se for o caso tento traduzir o artigo depois, mas quem quiser, ele está aqui.

Foi esse artigo da Ilona que me fez começar a pensar na coisa do "pense que está contando a história para uma criança de 5 anos" na hora de planejar. Eu fiz um post no facebook um tempo atrás onde acabei mencionando isso e ninguém entendeu do que eu estava falando, mas a questão é simplesmente essa: crianças vivem de perguntar o motivo das coisas. Se você está contando uma história para uma criança, ela vai te interromper toda hora com um "por quê?". E você precisa ter jogo de cintura para dar um motivo para isso. Pensar que estar contando a história para uma criança de 5 anos não quer dizer que é para você dar dez mil explicações no texto - mas sim que você precisa ter um motivo para todos os detalhes da sua história.

Então esta é a primeira parte: pegar aquela ideia geral que você tem e começar a responder todos os porquês, amarrando sua construção de mundo, de personagens e a sua ideia. Porque sim, à medida que você vai definindo os detalhes, a história muda. É por isso que tanta gente fala que não consegue controlar a direção da história. Se você só descobre os detalhes no meio da escrita, é só lá que vai descobrir para onde sua história pode ir.

A partir daí, a ideia do outline é fazer um resumão da estrutura da história. O que vai acontecer? Só isso, de forma seca, sem firulas, sem detalhes. Quando eu estava fazendo isso, era bem comum chegar na reta final e eu simplesmente escrever "tretas". Para dar os detalhes do conflito da história, eu precisaria dos detalhes que ainda não estavam escritos, então só deixava a marcação de que teria algum conflito ali. Não precisa ser detalhado/rígido. É só um molde para você seguir.

Depois de ter a base da história, vem descobrir onde começar. "Ah, pelo começo, óbvio". Não tão óbvio assim. O começo de uma história é o que vai fazer um leitor decidir se vai ler ou não seu livro. Ou seja, o começo tem que prender o leitor. Se você parar para analisar todos os bestsellers, vai ver que existe algo no começo para despertar a curiosidade do leitor. É um começo ativo, e isso é muito importante. Vou pegar o exemplo que a Ilona deu no artigo dela: se você está contando uma releitura de Chapeuzinho Vermelho, o que é mais interessante, começar explicando quem a Chapeuzinho é, etc etc, e mostrando a mãe dando uma cesta de alguma coisa para ser levada para a avó, ou começar com a Chapeuzinho na floresta, sentindo que está sendo observada/seguida? Resposta meio óbvia, não é? Claro que a segunda opção vai te obrigar a ser criativo na hora de apresentar os detalhes do mundo e dos personagens, porque isso tem que vir ao longo da história (e sim, explicações são necessárias), mas as chances de um começo assim prender o leitor são muito maiores.

Tem o outline/resumão da sua história inteira, decidiu por onde começar, bora começar a escrever.

Fazer o outline é simples, na verdade. Dá trabalho, porque ao invés de você ter os meses que vai gastar para escrever para cozinhar e definir a sua história, você vai ter que fritar isso antes de começar a escrever. Mas vale a pena, porque isso quer dizer que você já tem uma direção a seguir. Ou seja, bem menos chances de parar no meio do caminho, encarar a tela e perceber que não faz a menor ideia do que fazer com a história.


Eu usei só o outline por um bom tempo, mas ainda não era o suficiente. Ele resolveu um dos meus problemas - a questão de não saber a direção da história - mas as outras travas continuavam firme e fortes ali. Foi tentando me entender com elas que descobri o Snowflake, que é meu amorzinho atual.


Método Snowflake

Já faz uns anos desde que ouvi falar sobre o Snowflake pela primeira vez, mas na época não prestei muita atenção. Ainda estava no momento "minhas histórias nascem sozinhas, tentar usar método é atrapalhar o processo natural de criação". Vivendo e aprendendo, não é? (Spoiler: não, as histórias não nascem sozinhas. Sim, existem técnicas e teorias - da mesma forma que para qualquer outra coisa nessa vida. Não é porque é arte que não existe técnica) Voltei a ver a respeito dele meio por acaso, quando estava pesquisando coisas sobre o Scrivener (vou falar dele em um dos próximos posts). Já que estava ali, parei para prestar atenção e resolvi testar. Foi amor à primeira tentativa.

O Snowflake é chato de fazer. Muito chato. Ele vai te fazer literalmente fritar. Mas vale a pena demais. Minha produtividade dobrou, no mínimo, depois que comecei a fazer meu planejamento assim. Tem alguns posts e vídeos em português sobre eles, mas os posts que vi, pelo menos, adaptaram o artigo original de uma forma que perdeu bastante o foco em alguns momentos, então não recomendo olhar eles. Quem quiser o artigo original sobre o método, em inglês, está aqui. Se for o caso de ter gente interessada, eu posso traduzir depois e postar aqui no blog também.

Ok, agora como funciona esse tal de Snowflake?

Snowflake significa floco de neve. Ele tem esse nome porque parte do princípio que escrever um bom livro é uma questão de construção. E, obviamente, uma boa construção começa com boas bases, uma etapa de cada vez, com mais camadas e materiais sendo acrescentados aos poucos.

O método Snowflake é composto por dez passos que vão te dar uma estrutura madura para começar a escrever, sendo que o último dos passos é sentar e escrever, na verdade. Pelas minhas experiências até agora, eu não diria que tudo é 100% necessário. Vai naquela coisa de cada um adaptar ao que funciona melhor para si mesmo. Mas, ainda assim, considero os 5 primeiros passos como obrigatórios.

Os passos:

Passo 1: Resumo de uma frase

Resumir sua história em uma frase de no máximo 20 palavras (estou sendo generosa, porque no original é no máximo 15). No caso de quem está escrevendo série, é importante lembrar que cada livro deve ter um conflito central, além do enredo que liga a série. Então, tomar cuidado para resumir o livro em específico, e não o arco da série.

Isso é importante porque te obriga a, de cara, definir o que é a trama central da sua história. O que realmente move seu enredo? O que é importante pra valer?

Passo 2: Resumo de um parágrafo

Pegando a frase do passo anterior como base, faça um parágrafo curto, de poucas frases (6 no máximo), resumindo sua história.

Nesse passo não cabem descrições ou detalhes, são só os fatos crus. Primeira frase, o começo da sua história. Última frase, o final da sua história (e, lembrando que esse planejamento é para você, não tem nada de "não vou colocar tal coisa porque seria spoiler". E as frases no meio são os acontecimentos chave da história. Não os detalhes ou as coisas interessantes, mas sim os pontos que vão causar impacto pra valer no seu enredo.

Passo 3: Ficha básica de personagens

Esquece aquela ficha de personagens padrão com características e tudo mais. Esquece. Quero nem passar perto dela aqui. Esse terceiro passo é muito mais simples que isso - mas também é bem mais complicado. Essa ficha tem que ser feita para todas as personagens importantes da história.

A ficha de personagens básica é:

  • Nome, sobrenome, apelido (se tiver) da personagem
  • Resumo de uma linha do arco da personagem (como o primeiro passo, mas focado especificamente na personagem)
  • Motivação da personagem (o que move a personagem, de forma abstrata?)
  • Objetivo da personagem (o que a personagem quer?)
  • Conflito da personagem (o que impede que a personagem alcance seu objetivo?)
  • Epifania da personagem (o que a personagem vai aprender/como vai mudar?)
  • Um resumo de um parágrafo sobre o arco da personagem (como no segundo passo, mas focado especificamente na personagem)

Obviamente, à medida que você define melhor seus personagens, sua história pode acabar mudando. Voltar nos passos anteriores para ajeitar as coisas é super normal.

Passo 4: Resumo da história

Volte no parágrafo que escreveu no passo 2 e transforme cada frase em um parágrafo. De novo, sem detalhes. São fatos e acontecimentos (e nada de parágrafo de uma página). Todos os parágrafos, menos o último, devem terminar em desastre (dentro da concepção do seu mundo/história). O último parágrafo conta como o livro termina.

Passo 5: Resumo das personagens

Usando o resumo do passo 4 e as fichas de personagem de base, faça um resumo de uma página sobre a história de cada personagem principal e meia página para as personagens secundárias.

De novo, se precisar voltar nos passos anteriores para ajustar alguma coisa por causa de mudanças, faça isso.

Passo 6: Resumo de quatro páginas

Usando os passos anteriores de base, faça um resumo de cerca de quatro páginas sobre sua história. No geral, o que vai fazer é expandir cada parágrafo do passo 4 para cerca de uma página.

Passo 7: Ficha de personagens

Agora você pode pegar aquela ficha de personagem padrãozinha com características físicas e etc. Aproveite para aprofundar mais o passado da personagem, usando os passos anteriores como base.

Passo 8: Definir cenas

Usando o passo 6 como base, defina as cenas da sua história. É bom usar uma ferramenta de organização para esse passo. O recomendado é uma planilha do Excel. Tente fazer isso lá primeiro, antes de procurar alternativas. Para mim, o que funcionou foi o quadro de cortiça.

Resuma cada cena em uma linha. Defina quem vai narrar esta cena (isso vale para a galera que escreve em terceira pessoa também. É bem difícil achar alguém que realmente escreva um narrador onisciente. Quase sempre, a narração está acompanhando o ponto de vista de um personagem. Então defina qual personagem vai ser e acompanhe este personagem sem ficar mudando de ponto de vista no meio da cena para colocar uma ou duas linhas no ponto de vista de outro). Se quiser, acrescente mais colunas, como tamanho esperado da cena, detalhes do que vai acontecer, etc.

Passo 9: Resumo de cada cena (opcional)

Pegue cada cena definida no passo anterior e resuma o que vai acontecer nela. Não é um passo obrigatório nem no artigo original, mas é bem útil para identificar cenas "encheção de linguiça". Cada cena tem que ter um propósito dentro da sua história. Ela tem que empurrar a trama para a frente, de uma forma ou de outra (seja de forma direta, seja de forma indireta, como cenas que movem a trama por estarem aprofundando personagens). Se a cena não está empurrando a trama, não é necessária.

Passo 10: Senta e escreve

Dispensa explicações.



Oi, olha só, alguém durou até aqui!

Eu falei que o post ia ser grande, e isso porque nem expliquei em detalhes...

Bom, o Snowflake cansa só de ler os passos, eu sei. E intimida um pouco, também. Mas eu juro que vale a pena. Ele vai tomar tempo, fato. Mas quando você começar a escrever a história já vai estar certinha na sua cabeça e você já vai conhecer as personagens. Não vai ter mais o momento de "eu não sei o que vai acontecer" e "eu não faço ideia do que essa personagem faria". E, de novo, cada um adapta do jeito que funciona para você.

Eu comecei a usar o Snowflake no finzinho do ano passado, quando resolvi pegar para trabalhar para valer com o Scrivener. Melhor decisão que eu já tomei. Se não fosse por isso, não ia nem tentar cumprir essa minha meta insana para esse ano.

E o resumão geral de planejamento é isso aí. Espero que tenham gostado e que seja útil para alguém xD Quem quiser que eu volte em alguma coisa específica, dá o grito aí nos comentários que já vou planejando os próximos posts (e tentar não demorar mais de um mês para soltar eles).

1 Comment

  1. Yume Vy disse:

    Muito boa a matéria, Thais! Eu usava bem por alto o método da Outline, em especial depois de ler uma matéria sobre Roteiro e Escrita e, apesar de ainda não ter usado o método do Floco de Neve, estou doida pra sentar e fazer algo com ele, porque ter um planejamento, como você disse, ajuda MUITO. Principalmente para evitar travas idiotas. Faça uma matéria com aquele método ABCD também… XD Eu acho ele bem legal também. Rs

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